As composições de Caetano Veloso das décadas de 80 e 90 trazem profundas reflexões e mensagens ocultas a serem desvendadas. “Um Índio” é um dos enigmas do artista.
Lançada no álbum “Bicho”, ela abre o lado B de um dos discos mais épicos do baiano.
“Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhanteDe uma estrela que virá numa velocidade estonteanteE pousará no coração do hemisfério sulNa América, num claro instanteDepois de exterminada a última nação indígenaE o espírito dos pássaros das fontes de água límpidaMais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”
Na primeira parte da canção, Caetano Veloso fala sobre um ser com poderes especiais que virá à América do Sul.
Ele chama o ser “Um Índio” nome da música.
Nessa parte o cantor expõe que este ser já exterminou todos os continentes da terra e falta apenas “o coração do hemisfério sul, na América”.
“ViráImpávido que nem Muhammad AliVirá que eu viApaixonadamente como PeriVirá que eu viTranqüilo e infalível como Bruce LeeVirá que eu viO axé do afoxé Filhos de GandhiVirá”
No refrão apocalíptico, Caetano compara a perfeição do ser vindouro a Muhammad Ali, o pugilista considerado um dos maiores no esporte.
Cassius Marcellus Clay era seu primeiro nome, no entanto, após se converter ao Islamismo, o boxeador mudou seu nome para Muhammad Ali-Haj.
O esportista também gravou dois discos musicais e lutou contra o racismo, e quando esteve em Louisville para apoiar a luta da população local por moradia, declarou:
“Por que me pedem para vestir um uniforme e me deslocar 10.000 milhas para lançar bombas e balas no povo marrom do Vietnam, enquanto os negros de Louisville são tratados como cachorros, sendo-lhes negados os mais elementares direitos humanos?
Não, não vou viajar 10.000 milhas para ajudar a ass e queimar outra nação pobre para que simplesmente continue a dominação dos senhores brancos sobre os povos de cor mais escura mundo afora.
É hora de tais males chegarem ao fim.
Fui avisado de que essa atitude me custaria milhões de dólares.
Mas eu já disse isso uma vez e vou dizer de novo.
O inimigo real do meu povo está aqui.
Não vou desgraçar minha religião, meu povo ou a mim mesmo tornando-me um instrumento para escravizar aqueles que estão lutando por justiça, liberdade e igualdade…
Se eu pensasse que a guerra traria liberdade e igualdade a 22 milhões de pessoas do meu povo, eles não precisariam me obrigar, eu me juntaria a eles amanhã mesmo.
Não tenho nada a perder por sustentar minhas crenças.
Então, vou para a prisão, e daí?
Nós estivemos na prisão por 400 anos.”
Caetano também compara o ser a Peri, um índio, personagem fictício do romance ‘O Guarani’, de José de Alencar.
No conto, Peri abandona seu povo para viver uma história de amor com uma branca.
E Caetano Veloso continua a fazer comparações: “Tranqüilo e infalível como Bruce Lee”.
Nessa parte muitos religiosos associam a comparação ao papado, e pelo título “infalível” que o compositor deu a Bruce Lee, outros comparam à besta do apocalipse, usando menções bíblicas para argumentar a tese.
Bruce Lee foi o maior representante da arte marcial chinesa Kunk Fu que ou pelas telas de Hollywood, onde seus filmes históricos o aclamaram como maior e mais infalível lutador de artes marciais.
O grupo Filhos de Gandhi, que Caetano menciona ao final do refrão, refere-se a um dos maiores grupos de afoxé, tendo seu surgimento em 1949, em Salvador (BA).
O grupo mescla elementos da cultura africana ao induísmo, inspirados no líder ativista político Mahatma Gandhi, que militou pela paz mundial.
“Um índio preservado em pleno corpo físicoEm todo sólido, todo gás e todo líquidoEm átomos, palavras, alma, corEm gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som magníficoNum ponto equidistante entre o Atlântico e o PacíficoDo objeto-sim resplandecente descerá o índioE as coisas que eu sei que ele dirá, faráNão sei dizer assim de um modo explícito”
Já na segunda estrofe da canção, Caetano Veloso faz uma analogia ao ser que virá, sendo ele existente no plano real, puro, bondoso, poderoso e misericordioso, que tomará atitudes nunca tomadas em todo o universo; atitudes não tomadas por todos os seres viventes que aram e/ou arão pela terra.
“E aquilo que nesse momento se revelará aos povosSurpreenderá a todos não por ser exóticoMas pelo fato de poder ter sempre estado ocultoQuando terá sido o óbvio”
Caetano termina o enigma musical deixando nas entrelinhas que ao se revelar, “o índio” deixará todos de queixo caído, pelo fato de estar o tempo todo entre nós e não o notarmos.
Tire suas conclusões, ouça aqui a música “O Índio”, de Caetano Veloso.