O que sobra quando tudo falta? Uma leitura sensível de ‘Mantra’, de Nando Reis 1k3n

O que sobra quando tudo falta? Uma leitura sensível de ‘Mantra’, de Nando Reis
Imagem: Reprodução/YouTube

Vivemos tempos em que tudo precisa ter um sentido. Cada gesto, cada escolha, cada o deve ser justificado com um propósito. Parece que estamos viciados em significado, e nisso, ironicamente, nos afastamos do que é mais essencial. É nesse cenário que “Mantra”, canção de Nando Reis em parceria com Arnaldo Antunes, aparece como um sopro de silêncio. Em meio ao barulho dos algoritmos e à gritaria da autoafirmação, ela ousa propor o contrário: o nada. E isso, hoje, é quase um ato de rebeldia. g6i6o

Logo no verso de abertura – “quando não tiver mais nada” – somos confrontados com a perda. Mas não se trata de uma perda sofrida, e sim de um convite à entrega. É como se a música dissesse: só quando tudo cai, algo verdadeiro pode nascer. Num mundo onde só se valoriza o acúmulo e o sucesso imediato, “Mantra” oferece um caminho que vai na contramão: o da renúncia.

Essa lógica do desapego que a música propõe não é religiosa no sentido tradicional, nem tampouco alienada. É quase um gesto político. Um manifesto contra o culto ao “ter” em favor ao culto do “ser”. A canção mistura a serenidade do Oriente com a inquietação do pensamento ocidental. E quando Nando canta que “o seu coração acordará”, parece provocar: será que não estamos todos dormindo, hipnotizados por promessas que nunca se cumprem?

A repetição do mantra “Hare Krishna” soa como um resgate da força sonora que esse cântico teve na contracultura dos anos 1960, mas agora repaginado, com um pé na espiritualidade e outro na crítica ao consumo de sentido, para nos lembrar do que esquecemos no meio do caminho.

E há também ali algo de Nietzsche, de renascimento pela destruição. “Amor dará e receberá”, ele canta. E parece simples. Mas no meio do vazio que a canção propõe, é o tipo de frase que ganha peso. Quando não resta mais nada, talvez reste só o amor, aquele que sobrevive à queda do ego, à queda dos impérios, ao fim das certezas.

Se compararmos “Mantra” com o discurso pronto dos livros de autoajuda e dos coaches de rede social, ela soa quase agressiva. Porque ela não vende promessas, não embala a dor em frases de efeito, não sugere cura em 10 os. Ela apenas existe como o silêncio entre duas palavras.

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“Mantra” não quer ensinar, ela quer desinstalar. Não é sobre salvação, mas sobre entrega. E nessa entrega, talvez a gente finalmente ouça o que tem tentado falar dentro de nós há tanto tempo. Não é um hino de fé, é um altar provisório, onde só entra quem já topou perder tudo.

Assista ao clipe: